Amor à primeira vista

Algumas horas depois que nasceu, tivemos a surpresa e o susto da nossa filha passar pelas dificuldades na transição respiratória, quando o bebê começa a respirar sozinho depois de nascer. Parecia tudo normal naquelas primeiras horas, mas o seu rostinho estava ficando roxo e ela foi para a UTIN (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal).

Os primeiros momentos são de muita apreensão. Enquanto a mãe, após nove meses carregando na barriga, sente aquele vazio sem a filha no ventre ou ao seu lado, o pai sente o peso e a preocupação de não poder fazer nada, somente acompanhar e observar os procedimentos na filha. Certamente, ver seu filho numa Unidade de Terapia Intensiva Neonatal – ou em qualquer vulnerabilidade de saúde – é uma experiência marcante e sensível. Você vê fios, tubos e máquinas conectados à sua criança e não pode fazer nada. É de partir o coração.

A madrugada estava chegando; somente eu e ela naquela salinha e uma enfermeira que ia e vinha preparando as coisas. No início dos procedimentos para a UTIN, a cena mais marcante que vivi com a minha filha foi a nossa primeira troca de olhares da vida – eu a olhei, com meu olhar de medo e ansiedade; e ela, com seu olhar ainda turvo, perdida e de alguém que estava acabando de conhecer o mundo. Parecia que ela perguntava: “O que está acontecendo? Que mundo é esse aqui fora?” E eu respondia por pensamento: “Não sei o que está acontecendo, filha, mas eu estou aqui com você”, ao mesmo tempo em que observava seus traços e admirava a obra-prima divina de reproduzir um ser humano a partir de nós. Para quem, talvez, estivesse olhando de fora, veria uma troca de olhares rápida, de milésimos de segundos, mas, entre nós, foi uma eternidade. 

Naquele momento em que meu olhar cruzou com o dela, fui visitado por uma emoção inexplicável, um incondicional amor à primeira vista. Como bem disse Benjamin Constant:

Todo sentimento precisa de um passado para existir. O amor, não; ele cria, como por encanto, um passado que nos cerca. Ele nos dá a consciência de havermos vivido anos a fio com alguém que, há pouco, era quase um estranho. Ele supre a falta de lembranças por uma espécie de mágica.” (Benjamin Constant, “Adolphe”)

Tudo o que ela tinha era a mim e tudo que eu tinha eram orações. Naquela troca de olhares, sem trocar uma palavra, fiz uma promessa silenciosa. Como diz a música “Sereno”: “Eu sempre te amarei mais. Eu sei e você saberá que eu a amo mais que a mim” (Guilherme de Sá, “Sereno”).

Foram longas 24 horas na UTIN, mas voltamos para casa com a Olívia bem e pronta para viver muitas outras histórias. E assim é a vida e o amor de pai – você acha que já viveu todos os sentimentos e amores, até descobrir o amor de um pai pelo filho, amor que abre mão do seu querer, do seu egoísmo, para dar o seu melhor para aquele filho.