
Por muito tempo, associei pobreza extrema a lugares distantes – continente africano, países em situação de conflito e desastres naturais; favelas e comunidades remotas na Ásia e América Latina. Mas entre os anos de 2016 e 2017, 38 municípios do Estado do Espírito Santo me mostraram que essa geografia da miséria é muito mais próxima do que imaginamos.
Em 2016, o CadÚnico1 registrou 66,7% de taxa de pobreza e 41,6% de extrema pobreza entre seus cadastrados no Estado. Mas isso não era um caso exclusivo do Espírito Santo; o Brasil já sofria os reflexos de uma grande tribulação econômica e política que estava em andamento. Naqueles anos, o país atravessava a pior crise econômica desde a Grande Depressão2. Na política, escândalos de corrupção em larga escala levaram à remoção da presidente Dilma Rousseff (PT) do poder pelo processo de impeachment, encerrando mais de uma década de governança de esquerda socialista no Brasil3 4. Nas ruas, manifestações populares contra o governo5 contrastavam com os Jogos Olímpicos que aconteciam no Rio de Janeiro.

(Alfredo Chaves). [A lady whose beauty is marked by the sadness and pain of her son’s rejection].

O Espírito Santo, apesar de pequeno em comparação a outros estados, revela em seu território um contraste marcante de realidades socioeconômicas. A poucas horas de estrada da região metropolitana, estradas de terra batida levavam à pobreza escondida longe das rotas turísticas – nas periferias rurais, às margens de rios, sob viadutos e em bairros de casas populares.
Foi nesse cenário que, entre os anos de 2016 e 2017, o projeto “Tenda da Oração” da Missão Praia da Costa expandiu sua atuação para alguns municípios do interior. Durante dois anos de trabalho voluntário nessas expedições, registrei essas realidades que estão a poucos quilômetros de casa – famílias inteiras vivendo em barracos improvisados e sem saneamento básico; idosos esquecidos pelos familiares; pais desempregados, mães desesperadas; pessoas enfermas, outras em desespero existencial; panelas vazias e olhares sem esperança quanto ao futuro. Uma pobreza material, emocional e espiritual gritante neste Brasil paralelo.
Cada família visitada, cada emergência suprida, cada esperança plantada revela que esses encontros não foram por acaso, mas parte de um propósito maior. As fotografias se tornaram testemunhos disso. Carrego a expectativa de um dia reencontrar pelo menos uma dessas histórias transformadas, confirmando que a esperança plantada encontrou solo fértil e frutificou.

[Miquéias dreams of driving along the roads. Elizeu, of bringing justice as a lawyer.]


[Fun, exclusion, and the dream of playing football to transform his family’s destiny].

English version
For a long time, I associated extreme poverty with distant places — the African continent, countries experiencing conflict and natural disasters; remote favelas and communities in Asia and Latin America. But between 2016 and 2017, 38 municipalities in the state of Espírito Santo showed me that this geography of misery is much closer than we imagine.
In 2016, Brazil’s CadÚnico registry recorded a 66.7% poverty rate and 41.6% extreme poverty rate among those registered in the state. But this was not an exclusive case of Espírito Santo; Brazil was already suffering the effects of a major economic and political turmoil that was underway.
During those years, the country was going through its worst economic crisis since the Great Depression. In politics, large-scale corruption scandals led to the removal of President Dilma Rousseff (PT) from power through impeachment proceedings, ending more than a decade of Socialist governance in Brazil. In the streets, popular demonstrations against the government contrasted with the Olympic Games taking place in Rio de Janeiro.
Espírito Santo, despite being small compared to other states, reveals striking contrasts of socioeconomic realities within its territory. Just hours away from the metropolitan region, dirt roads led to poverty hidden far from tourist routes — in rural peripheries, along riverbanks, under viaducts, and in popular housing neighborhoods.
It was in this scenario that, between 2016 and 2017, the “Tenda da Oração” (Prayer Tent) project by Missão Praia da Costa church expanded its activities to some interior municipalities. During two years of volunteer work on these expeditions, I documented these realities that exist just kilometers from home — entire families living in improvised shacks without basic sanitation; elderly people forgotten by their relatives; unemployed fathers, desperate mothers; sick people, others in existential despair; empty pots and hopeless looks toward the future. A striking material, emotional, and spiritual poverty in this parallel Brazil.
Each family visited, each emergency addressed, each hope planted reveals that these encounters were not by chance, but part of a greater purpose. The photographs became testimonies of this. I carry the expectation of one day reuniting with at least one of these transformed stories, confirming that the hope planted found fertile ground and flourished.